27 de outubro de 2007

Amém

Em uma pacata vila, distante das metrópoles, viviam vinte e poucas pessoas em algumas casas em uma única rua. Não havia prédios, nem asfalto e nem comércio sofisticado, havia apenas uma lojinha da Tia Josephine que abusava nos preços de seus bibelôs, cereais, ferramentas e pantufas felpudas cor caramelo. Uma única capela em sinal da religião no final da rua. Não havia prefeitura, correio nem cadeia, pois em um lugar tão pequeno não precisava impor leis, mandar cartas e muito menos havia motivos para cometer crimes.
Na igrejinha vivia somente o Padre Divino de Jesus que acordava antes que o galo de Dona Domingas cantasse pelas manhãs. Preparava o altar todos os dias com algumas flores artificiais que eram vendidas na lojinha, uma das poucas coisas que ele pôde comprar lá, já que o dízimo dos fiéis ficava cada vez mais pobre.
Fazia uma caminhada todo dia ao redor da vila, enquanto rezava o rosário. Foi numa dessas caminhas matinais que o padre encontrou com Dona Domingas abarrotada de frutas e verduras em uma cesta de palha.
“Mas onde a senhora, conseguiu tais alimentos tão vistosos?”
“Não posso dizer, é segredo.”
“Ora, mas sou o padre, pode me confessar, sou um túmulo!”
“Não estamos na igreja e muito menos na hora da confissão comunitária, por isso não vou contar, quem sabe na próxima.”
“Mas a senhora nunca vai à igreja, a senhora é atéia!”
“Com a glória de Deus! Desculpe-me, mas religião não é comigo. Minha mãe queria...”
“... que a senhora fosse freira, internou-a em um convento e só te deixou sair com a maioridade. Eu e o resto da vila já sabemos dessa sua história.”
“Isso mesmo! Por culpa de minha santa mãe, que está no céu, eu tomei trauma de religião!”
“Tudo bem Dona Domingas, pode continuar indo a onde estava.”
“Já vou seu padre. Sua benção!”
“Deus te abençoe!”
“Amém!”
Depois do encontro, passaram-se vários dias até que o padre encontrou com Dona Domingas novamente.
“Novamente com alimentos tão vistosos na mesma cesta de palha, Dona Domingas?”
“É seu padre, o senhor não está vendo não?”
“Estou minha senhora, mas é porque a dúvida ainda me assola. Onde a senhora consegue esses belíssimos alimentos?”
“Não posso contar. Quer dizer, eu não posso contar de onde vieram, mas posso contar para onde vão.”
“Ah é?!”
“É! Estou levando-os para aquela mocinha da casa rosa, ela é uma cozinheira de mão cheia.”
“Ah é?!”
“É! Ela tem mãos de fada, Deus foi generoso com ela, deu um talento e tanto. Mas eu acho que ela está preparando comida pro rapaz do chapéu panamá. Coitado, ele ficou tantã depois que a mãe o abandonou, ela está ajudando ele nas refeições.”
“A caridade é um bem precioso que Deus deu aos homens para promover o bem!”
“Isso mesmo! Então... eu já vou. Sua benção!”
“Deus te abençoe!”
“Amém!”
Passado um mês após o último encontro matinal de Dona Domingas e o Padre Divino de Jesus, ela foi correndo até a igreja, bateu na porta desesperadamente.
“Padre! Padre!”
O padre atendeu-a através da janelinha da porta velha de madeira.
“O senhor já leu o bilhete seu padre?”
“Não. Que bilhete?”
“Do jovem da casa verde! E o jornal da metrópole, o senhor já leu?”
“Ainda não Dona Domingas.”
“Coitada da minha menina!”
“Porque, o que houve?”
“Leia a manchete!” Dona Domingas entregou ao padre o jornal que estava embaixo de seu braço.

“Coitada mesmo, vou rezar um terço para que sua alma não fique perdida nas trevas.”
“Amém!”

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