21 de janeiro de 2009

A menina que roubava corações

Margot vivia no quinto andar de um pequeno edifício em uma rua apertada, vivia com seus gatos, sua samambaia e sua avó. Seu apartamento era decorado com um papel de parede velho, amarelado, encardido para ser mais exato. Da varanda era capaz de avistar todas as quadras de seu bairro, que era cheio de baixas casas e edifícios, sua visão lhe possibilitava ver com clareza até a torre da igreja e o cais da cidade.

A avó de Margot foi uma mulher muito trabalhadeira, dócil e amável, ficou ruim da cabeça, esqueceu-se de praticamente tudo. Sua mãe ninguém sabe, ninguém viu e seu pai morreu meses antes dela nascer.

Nunca namorou, mas paquerou, pouco, na escola e na rua em que morava antes, no casarão, sua diversão era ficar na janela, bisbilhotando a vida alheia, jogando charme para os homens que passavam. Seu primeiro amor platônico foi o vendedor de cocadas.

Era pontual sua visita, ele sempre passava na rua no horário do pôr do sol, e de longe (do outro lado da calçada) admirava sua beleza, seu negro cabelo comprido, feito em trança, seus olhos penetrantemente escuros e sua pele morena.

Margot também encantou o florista com sua beleza, adorava receber margaridas e sempre encontrava um jeito de ganha-las, ora passando mais “rebolativa”, ora mais tímida, mas sempre encantadora. Era uma criatura misteriosa e encantadora.

Todos os moradores da Rua Lumière a conhecia bem, sua vida desde o início era comentada. Falavam que sua mãe estava perdida no mundo e que seu pai havia morrido de desgosto. Fato é que foi criada por sua avó que agora dependia exclusivamente da neta.

Devo confessar que Margot era amável com sua avó, na verdade, era amável com todos, era romântica até o ultimo fio de cabelo. Idealizava seu amor, por isso talvez, nunca tivesse se relacionado e por isso talvez tenha desenvolvido essa esquizofrenia patológica.

Margot desenvolveu um estranho hábito, depois de ler cartilhas sobre magia negra, umbanda e candomblé, quis imortalizar o amor, o amor das pessoas por ela.

No inicio foram os gatos, dois pequenos gatos de rua que ela havia adotado para distrair sua avó. Ela realmente gostava dos gatos e achava que por isso, eles também gostavam dela. Segundo ela, julgava ser um privilégio alguém amá-la.

Voltemos aos gatos. Era segunda-feira e ela foi até o boticário comprar um vidrinho de veneno, estranho, foi o que o boticário pensou, Margot era uma menina tranqüila, mas ela alegava haver ratos em sua casa.

Argumento tolo, pois não deveria haver ratos em casa onde se tem gatos para caçá-los.

Fato é, que comprado o veneno, Margot colocou na tigela de comida de seus gatos e enquanto sua avó dormia, ela os via morrer lentamente e agonizarem até o ultimo miado. Não demorou muito, pegou uma faca e antes mesmo que os cadáveres pudessem esfriar, abriu e tirou os corações. Guardou-os em potes diferentes e sentiu-se feliz com isso.

Era viciante, segundo ela, poder tirar corações ainda quentes dos corpos.

Margot queria mais, mas quem? Só restava sua pobre avó e para não dá-la o mesmo sofrimento que deu os gatos, resolveu trocar os remédios por placebos, pois não era justo fazer sofrer alguém que sempre a amou.

Passou-se um pouco mais de um mês e a avó de Margot faleceu, dormindo, e como fez com os gatos, tirou o coração e guardou dessa vez, em um pote maior, o coração de sua avó.

CONTINUA

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